O agronegócio está em crescimento contínuo ao longo dos anos. Muito embora o ano de 2020 tenha sido um ano atípico, marcado pela pandemia do novo coronavírus, o Produto Interno Bruto (PIB) referente ao agronegócio cresceu 16,8% de janeiro a outubro de 2020, consolidando esta atividade como uma das mais importantes do Brasil.
No entanto, apesar desse alto faturamento e contribuição para o desenvolvimento do país nos últimos anos, em março de 2017 o Brasil sofreu uma forte turbulência no setor. Isso ocorreu devido ao esquema de adulteração de carnes comercializadas no mercado nacional e internacional, revelado pela denominada “Operação Carne Fraca”.
A operação foi deflagrada pela Polícia Federal com objetivo de averiguar um suposto esquema ilegal no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e irregularidades praticadas por alguns frigoríficos de grande porte e empresas do ramo alimentício do país. As companhias foram acusadas de comercializar carne estragada, falsificar a data do vencimento da mercadoria, modificar a aparência com a utilização de produtos químicos supostamente cancerígenos, e por fim, aliciar agentes do governo com o intuito de obter a permissão para comercializar as mercadorias estragadas.
A reputação do Brasil no mercado internacional ficou bastante fragilizada após o conhecimento das irregularidades no mercado do agronegócio. Por isso, o escândalo fez com que o país abrisse os olhos para o tema do Compliance, observando a importância de as empresas estarem em conformidade com as normas, principalmente no tocante a segurança alimentar, saúde do animal e as questões ambientais, trabalhistas e sociais.
O termo Compliance origina-se em inglês “to comply” e significa estar em conformidade. Com o advento da Lei n° 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção, regulada pelo decreto n° 8.420/2015, as empresas passaram a criar comitês internos para garantir o cumprimento das regras de integridade no setor privado, que afetam diretamente a sociedade.
Nesse sentido, o programa de Compliance tem o escopo de proporcionar a segurança e minimizar os riscos das empresas através do cumprimento de atos, regulamentos, normas e leis estabelecidos interna e externamente da entidade empresarial.
Fazendo um recorte no ramo do agronegócio, os programas de Compliance estão cada vez mais sendo requisitados pelas autoridades nacionais e, inclusive, é atualmente pré-requisito para liberação de financiamentos e regularização do produtor no Cadastro Ambiental Rural (CAR), sob pena de contenção do crédito rural no ano subsequente.
No mesmo ano que ocorreu a Operação Carne Fraca, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento instituiu a Portaria n° 2.462/2017, anunciando a certificação denominada de “Selo Agro+ Integridade”, como forma de consolidar as normas de integridade no setor do agronegócio brasileiro.
Para obtenção da certificação, a companhia precisará desenvolver e aplicar medidas de boas práticas de gestão, integridade, sustentabilidade e ética, como forma de qualificar o âmbito concorrencial deste setor econômico. A utilização de alguns pilares de Compliance como, por exemplo, o risk assessment e a due diligence corroboram na obtenção dos resultados positivos das entidades empresariais.
O risk assessment, conhecido também como análise de riscos, é realizado com intuito de averiguar os riscos inerentes da entidade empresarial e a forma como eles poderão ser mitigados. Esta ferramenta é aplicada no agronegócio em quatro etapas: identificação (análise de dados históricos do negócio rural), classificação, probabilidade (avaliação se o determinado risco tem probabilidade de ocorrer), e, por fim, o impacto (cruzamento dos dados absolutos com a probabilidade e impacto).
De outro lado, a ferramenta da due diligence, conhecida também como diligência prévia, é utilizada como processo de investigação que tem como finalidade analisar todos os setores de uma empresa. Através deste instrumento, os empresários conseguem obter maior compreensão sobre os riscos e oportunidades dos investimentos realizados no ramo do agronegócio.
Observa-se ainda que as empresas deverão se certificar que não estão elencadas e não realizam negócios com entidades que se encontram nas listas de empresas que utilizam áreas embargadas pelo IBAMA, praticam trabalho escravo, desmatamento ilegal ou desempenham atividades em áreas de conservação indígenas. Esse compromisso socioambiental é uma exigência que deve ser regulada pelo departamento interno de Compliance da empresa.
Escrito por: Ana Paula Ribeiro Serra – advogada, especialista em Compliance e Direito Empresarial e membro da comissão de Compliance da OAB/BA