O efeito da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) sobre as relações de emprego já alcança o nível processual, e o que se percebe é que a LGPD passou a exigir do empregador o dever de coleta, armazenamento, cuidado e posterior eliminação dos dados pessoais oriundos desta complexa relação sem, contudo, trazer o amparo normativo especial necessário. A partir das obrigações e deveres firmados entre empregado e empregador, recai a reflexão sobre a necessidade de uma norma regulamentando a aplicação da LGPD aos vínculos empregatícios, proporcionando, assim, segurança jurídica quanto ao tratamento de dados pessoais realizados na relação de emprego. Temos como exemplo o Termo de Consentimento, que tem tido a sua validade questionada e fragilizada diante do desequilíbrio contratual existente na relação empregatícia. Hipoteticamente, isso traria dúvidas se fornecimento da vontade teria ocorrido de forma livre e desimpedida por parte do empregado.
Do mesmo modo, o compartilhamento de dados com empresas terceirizadas para pagamento da folha mensal deixa de ser um ato rotineiro e passa a exigir forte e contínuo monitoramento quanto à idoneidade das empresas contratadas para este fim, ante a possibilidade de responsabilização do empregador por possível vazamento das informações de seus trabalhadores. A dinâmica pré-contratual também ganhou contornos que atingem a sociedade empresária, desde o recebimento de currículos contendo "inofensivos" dados pessoais e sensíveis do candidato, até o seu compartilhamento interno durante o processo seletivo e posterior armazenamento para futuras vagas.
Nesse cenário atual, deixa-se a cargo de diferentes julgadores o dever de apreciar demandas diversas, que interferem diretamente na dinâmica funcional de uma empresa, o que gera insegurança jurídica e pode, inclusive, inviabilizar negócios jurídicos.
A demora na estruturação da Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e a aparente inércia no tocante ao exercício do Poder Normativo que lhe foi conferido pela LGPD, que atribui a esta a competência da edição de normas, regulamentos e procedimentos sobre proteção de informações pessoais, desembocam em relevante insegurança jurídica para os controladores e titulares de dados.
Inclusive, não podemos esquecer da interface entre os diferentes ramos do Direito que colocam a LGPD em posição de conflito com demais garantias processuais e constitucionais. A citar o caso do trabalhador que requereu que as publicações referentes à Ação Trabalhista, proposta face a sua ex-empregadora, indicassem apenas as iniciais do seu nome com intuito de preservar sua imagem a futuros empregadores. O direito pretendido neste caso entra em embate com a garantia de atos processuais públicos e limites àqueles que buscam se eximir de suas obrigações legais, como pagamento de pensão alimentícia, por meios aparentemente lícitos.
No contexto apresentado, o que se percebe é que o tratamento dos dados pessoais nas relações de emprego, em observância à LGPD, não se apresenta como tarefa fácil às empresas que, engatinhando no novo formato de gestão dessas informações, buscam no Judiciário uma atuação razoável e compatível com a garantia constitucional da segurança jurídica enquanto aguardam regulamentação uniforme por parte da ANPD e do Poder Legislativo.
Por fim, se torna imprescindível que a ANPD também priorize a edição de normas regulamentadoras e diretrizes norteadoras do entendimento desta Agência e que servirão de auxílio e alicerce para que o processo de adequação das empresas à LGPD não traga insegurança jurídica para os empreendimentos e se cumpra a finalidade a que se destinam, principalmente quanto aos reflexos gerados na relação de emprego.
*Murilo é especialista em Direito Digital e Ana Luísa é especialista em Direito do Trabalho. Ambos são da equipe da MoselloLima Advocacia