A legislação brasileira, através da Consolidação das Leis do Trabalho e da norma regulamentadora 7, prevê que a empresa deve realizar os exames admissionais, periódicos e demissional no seu empregado, vejamos:
Art. 168 - Será obrigatório exame médico, por conta do empregador, nas condições estabelecidas neste artigo e nas instruções complementares a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho:
I - a admissão;
II - na demissão;
III - periodicamente.
Tais exames, conforme item 7.47.2 da NR-7, compreendem em avaliação clínica, abrangendo anamnese ocupacional, exame físico e mental e possuem o objetivo de identificar a aptidão do empegado para desenvolver as atividades para as quais será contratado, em caso de exame admissional, ou para a atividade que já exerce, em casos de exames periódicos e, no tocante ao exame demissional, tem o objetivo de atestar se o empregado está apto para que haja a rescisão contratual.
Em relação ao exame de gravidez em mulheres quando da admissão, já é pacífico o entendimento pela sua impossibilidade.
A lei 9.029/95 - Lei Benedita da Silva - proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho. Especificamente sobre o teste de gravidez, prevê o artigo 2º:
Art. 2º Constituem crime as seguintes práticas discriminatórias:
I - a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez;
(...)
Pena: detenção de um a dois anos e multa.
Como se verifica, exigir que a candidata ao emprego realize ou apresente exames de gravidez é crime passível de pena de detenção de um a dois anos, além de multa.
Após a entrada em vigor da lei em comento, a CLT sofreu alterações no Capítulo em que trata das condições do trabalho e da discriminação contra a mulher e seu artigo 373-A passou a viger com a seguinte redação, in verbis:
Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado:
I - publicar ou fazer publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao sexo, à idade, à cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir;
II - recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível;
III - considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional;
IV - exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego;
V - impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação em concursos, em empresas privadas, em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez;
VI - proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias. Grifos acrescidos Através dos textos acima, é indene de dúvidas que há proibição da exigência de testes ou exames que possam comprovar a gravidez quando da contratação e durante a permanência do contrato de trabalho.
Tais previsões legais possuem o objetivo de amparar a proteção dos direitos do nascituro, que é o ser humano concebido, mas que ainda não nasceu. O Código Civil prescreve em seu artigo 2º que "a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro".
Atrelado à proteção aos direitos do nascituro, está a proteção à maternidade. Um direito que pode ser elencado como uma das maiores conquistas das mulheres no mercado de trabalho e possui garantia Constitucional através do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que prevê em seu artigo 10 a proteção da empregada gestante, vejamos:
Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:
(...)
II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:
(...)
b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
Interpretando o entendimento da ADCT, em 2012, o Tribunal Superior do Trabalho editou a súmula 244:
Súmula 244 do TST
GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA
I - O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, "b" do ADCT).
II - A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade.
III - A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea "b", do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado.
Como se observa, a empregada gestante possui estabilidade ao emprego, ou seja, não poderá ser demitida sem justa causa desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
A súmula 244, do TST, além de ratificar esse período de estabilidade, trouxe outras disposições. Dentre elas está que o desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade e, ainda, o direito a reintegração ao emprego se o pedido for feito durante o período de estabilidade.
Com as disposições da súmula, pode surgir nessa relação de emprego a possibilidade de insegurança jurídica, haja vista que se exige como requisito de garantia de emprego apenas a existência da gravidez sendo irrelevante o momento em que foi comunicado o estado gestacional da empregada. Assim, caso haja demissão da empregada pelo empregador que desconhece seu estado gravídico, essa pode ser reintegrada aos quadros de funcionários da empresa ou pode receber indenização substitutiva pelo período estabilitário.
Ressalte-se que tais regras se aplicam também aos contratos realizados por prazo determinado, o que pode causar ainda mais insegurança nas relações de trabalho, tanto para a empresa, quanto para a empregada.
Com base nesse argumento, o Tribunal Superior do Trabalho, em recente decisão no mês de junho/2021, entendeu que a empregada submetida a teste de gravidez na demissão não teria direito a indenização por danos morais.
A decisão foi proferida na terceira turma do TST que rejeitou o recurso de uma ex-empregada que pretendia o pagamento de indenização por danos morais sob a alegação de que a empresa havia exigido a realização de exame de gravidez no ato demissional. Segundo a tese vencedora, a conduta não foi discriminatória, nem violou a intimidade da trabalhadora, uma vez que visou dar segurança jurídica ao término do contrato de trabalho.
Pode-se concluir que a decisão da mais alta corte trabalhista, se adequa ao sistema jurídico, haja vista que não há na legislação brasileira atualmente qualquer proibição de exigência de exame de gravidez no momento da rescisão do contrato de trabalho. Todas as disposições legais, como visto alhures, não permitem tal requisito quando da contratação e durante o contrato de trabalho.
Ressalte-se que, assim como a estabilidade ao emprego pela proteção do nascituro e dos direitos da mulher grávida é um direito constitucional, também é garantia advinda da Carta Magna o quanto previsto no artigo 5º que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". Essa disposição trata da instituição do Princípio da Legalidade, que é uma das bases do Estado Democrático de Direito.
Por fim e, à guisa de informação, desde setembro de 2016, tramita no Congresso Nacional o PL 6.074/2016, a fim de permitir a exigência de teste ou exame de gravidez por ocasião da demissão.
Carla Beatriz Assumpção, Sócia e Legal Master da área de Direito do Trabalho da Mosellolima Advocacia.