Leandro Henrique Mosello Lima
Ivan Mauro Calvo
Através do Decreto Federal nº 10.828, de 1º de outubro de 2021, foi regulamentada a chamada CPR Verde, constituindo mais um instituto na atual recorrência de atos e programas buscando a efetividade dos Pagamentos por Serviços Ambientais, onde foi regulamentado o Art. 1º, §2º, II da Lei Federal nº 8.929/1994 – Lei da Cédula de Produto Rural.
A Cédula de Produto Rural – CPR
Instituída pela Lei Federal nº 8.929/1994, a Cédula de Produto Rural – CPR é um título de crédito que representa a entrega futura de produtos rurais, com ou sem garantias cedularmente constituídas, tendo, como finalidades, a prática de garantia de operações financeiras e de cumprimento contratual, normalmente que envolvam a antecipação ou obtenção de recursos financeiros, bem como na obtenção de insumos (fomento ou barter).
A CPR pode ser física, onde o título é liquidado com a entrega do produto rural, ou financeira, com a liquidação ocorrendo através de pagamento pecuniário, com valor correspondente à produção, no prazo estabelecido no título. Em ambos os casos, há, obrigatoriamente, a necessidade de vinculação a um produto rural, sendo este definido nos termos do §2º do Art. 1º da Lei Federal nº 8.929/1994, sendo a financeira uma modalidade de liquidação, mas não dispensando a vinculação ao produto rural:
Art. 1º Fica instituída a Cédula de Produto Rural (CPR), representativa de promessa de entrega de produtos rurais, com ou sem garantias cedularmente constituídas. (...)
§ 2º Para os efeitos desta Lei, produtos rurais são aqueles obtidos nas atividades:
I - agrícola, pecuária, de floresta plantada e de pesca e aquicultura, seus derivados, subprodutos e resíduos de valor econômico, inclusive quando submetidos a beneficiamento ou a primeira industrialização;
II - relacionadas à conservação de florestas nativas e dos respectivos biomas e ao manejo de florestas nativas no âmbito do programa de concessão de florestas públicas, ou obtidos em outras atividades florestais que vierem a ser definidas pelo Poder Executivo como ambientalmente sustentáveis
A CPR possui amplo espectro negocial, devendo ser registrada perante entidade autorizada pelo Banco Central, como regra, cabendo, específicas exceções ao registro nos termos da Resolução CMN nº 4.927/2021, que dispõe sobre valores e prazos específicos para a dispensa, podendo ser, inclusive, disponibilizada em bolsa de valores.
Produto Rural da CPR Verde
Como se pode extrair do inciso II do §2º do Art. 1º da Lei Federal nº 8.929/1994, os “produtos rurais” da CPR Verde são os relacionados “à conservação de florestas nativas e dos respectivos biomas e ao manejo de florestas nativas no âmbito do programa de concessão de florestas públicas, ou obtidos em outras atividades florestais que vierem a ser definidas pelo Poder Executivo como ambientalmente sustentáveis”, sendo a inserção deste dispositivo o primeiro elemento de regulamentação da CPR Verde.
Contudo, cumpriu ao Decreto Federal nº 10.828/2021 dar continuidade e especificação aos produtos rurais aos quais se vinculam a CPR Verde, dispondo que estes correspondem aos que promovem: (i) a redução de emissões de gases de efeito estufa; (ii) a manutenção ou aumento do estoque de carbono florestal; (iii) a redução do desmatamento e da degradação de vegetação nativa; (iv) a conservação da biodiversidade; (v) a conservação dos recursos hídricos; (vi) a conservação do solo; ou (vii) outros benefícios ecossistêmicos (Art. 2º).
Neste contexto a CPR Verde pode ser definida como um título que representa a entrega futura dos serviços ambientais promovidos, listados no Art. 2º do Decreto Federal nº 10.828/2021, por produtos rurais relacionados à conservação de florestas nativas e dos respectivos biomas e ao manejo de florestas nativas no âmbito do programa de concessão de florestas públicas, ou obtidos em outras atividades florestais que vierem a ser definidas pelo Poder Executivo como ambientalmente sustentáveis, conforme dispõe o Art. 1º, §2º, inciso II da Lei Federal nº 8.929/1994, com ou sem garantias cedularmente constituídas.
Condições para efetivação da CPR Verde
A íntima vinculação da CPR Verde com a agenda para efetivação dos Pagamentos por Serviços Ambientais – PSA atrai a íntegra dos questionamentos já recorrentes, dentre os quais se evidencia a pergunta sobre como efetivar o recebimento pelos serviços ambientais, já que depois da efetivação pelo Programa Floresta +, Lei da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (Lei Federal nº 14.119/2021) e, agora, com a CPR Verde dos serviços ecossistêmicos elegíveis, ressaltando seu amplo espectro, ficou mais latente a busca dos “prestadores de serviços ambientais” em se valer destas regulamentações na prática.
Importante esclarecer que a CPR Verde é título que operacionaliza a possibilidade de comercialização dos serviços ambientais ecossistêmicos, que depende de negociações privadas com investidores que estejam buscando este viés de investimento, ou seja, a CPR Verde é meio de materialização dos serviços ambientais ecossistêmicos para sua negociação, inclusive na bolsa de valores, assim como na alavancagem de acesso a fundos verdes e condições especiais vinculadas à agenda ESG.
Neste cenário, se aplica à CPR Verde os requisitos do Art. 3º da Lei Federal nº 8.929/1994, ou seja, (i) a data do vencimento; (ii) nome e qualificação do credor e cláusula à ordem; (iii) promessa pura e simples de entrega do produto, sua indicação e as especificações de qualidade, de quantidade e do local onde será desenvolvido o produto rural; (iv) local e condições da entrega; (v) descrição dos bens cedularmente vinculados em garantia, com nome e qualificação dos seus proprietários e nome e qualificação dos garantidores fidejussórios; (vi) data e lugar da emissão; (vii) nome, qualificação e assinatura do emitente e dos garantidores, que poderá ser feita de forma eletrônica; (viii) forma e condição de liquidação; e (ix) critérios adotados para obtenção do valor de liquidação da cédula.
Nas duas espécies desse título de crédito do agronegócio - CPR e CPRF -, não é obrigatória a estipulação de garantia real em favor do credor, como hipoteca, penhor e alienação fiduciária. Todavia, pode-se pactuar garantia real no teor da própria CPR, promovendo o registro na matrícula do imóvel onde estiverem localizados os bens dados em garantia para gerar o efeito erga omnes. Se a garantia for alienação fiduciária sobre bem móvel, será averbada no cartório de registro de títulos e documentos do domicílio do emitente do título para gerar efeitos a terceiros.
Sendo a CPR Verde, também se aplica ao quanto aduzido acima. Pode-se estipular garantia real para a entrega do produto rural (benefícios ecossistêmicos valorados do Decreto nº 10.828/2021), sendo opção de pactuação, e não obrigatoriedade.
Considerando a especificidade da CPR Verde, se acrescentou ainda o requisito de “certificação por terceira parte para indicação e especificação dos produtos rurais que a lastreiam” (CPR) conforme Art. 3º do Decreto Federal nº 10.828/2021, competindo interpretar “certificação por terceira parte” como as auditorias externas, feitas por entidade credibilizada e independente, que tem por escopo neste processo certificar a existência do ativo e por conseguinte do serviço ambiental devidamente enquadrado para emissão da CPR Verde.
Mais um passo para a efetivação do Recebimento por Serviços Ambientais
A CPR Verde surge como mais uma via para a efetivação do pagamento por serviços ambientais se buscando o uso de um instituto jurídico consagrado de uso frequente pelo setor produtivo rural para alavancagem de investimentos e garantias contratuais – a Cédula de Produto Rural – CPR – otimizar caminhos e ritos, bem como, a primordial assimilação do mercado, emprestando segurança jurídica, ainda que com alguns desafios conceituais e de enquadramento, quase que de ajustamento do objeto, para os investidores, gerando oportunidades para os produtores rurais que promovam ações de conservação, que por sua vez deverão, para alcançar o desejado recebimento por serviços ambientais, investir e apostar na efetivação dos institutos regulamentados, com seus desafios e oportunidades de inovabilidade e pioneirismo, tais como a CPR Verde.