A atual versão da bandeira nacional foi utilizada pela primeira vez em 19 de novembro de 1889, sendo consagrada como símbolo oficial do Brasil somente em 1968, durante a ditadura militar. Através da Lei 5.433/68, o Artur da Costa e Silva, segundo presidente do mencionado regime, decretou que a bandeira seria considerada, junto ao hino, selo e armas, símbolo nacional.
Desde então, incontáveis foram às oportunidades em que presenciamos o uso da bandeira pelo povo, de eventos festivos como Copa do Mundo, à manifestações políticas, como podemos remeter às recentes manifestações do dia 7 de setembro.
O que poucos sabem, é que a Lei 5.700/71, elaborada no período da ditadura, prevê diversas regras com relação ao uso da Bandeira do Brasil. Embora sejam inúmeras as ocasiões em que ela não é observada, até o presente momento, a referida norma encontra-se em vigor.
Nesta linha de intelecção, oportuno também mencionar que a Lei em comento trata sobre a forma e a apresentação dos Símbolos Nacionais. A redação do dispositivo 31, considera como manifestação de desrespeito, a apresentação da bandeira nacional em mau estado de conservação, alteração de forma, cores e proporções, sendo este último detalhadamente especificado no artigo 5º e seus incisos. Ao dístico, Ordem e Progresso, não é permitido também qualquer alteração.
Ainda no que tange às vedações legais, é expressamente proibido o uso da bandeira como roupagem, reposteiro, guarnição de mesa, revestimento de tribuna, cobertura de placas, retratos, painéis e monumentos à inaugurar. Em razão da completa consonância com o momento pandêmico atual, frisa-se a proibição para uso da bandeira como pano de boca (máscara).
No próximo ano, teremos eleições presidenciais e o grande evento mundial de futebol, a Copa do Mundo, ocasiões que por sua natureza movimentarão o comércio, que antecipadamente se prepara para atender à demanda. Logo, presenciaremos, mais uma vez, não só o aumento da circulação e produção de bandeiras nacionais, mas também de produtos personalizados com sua aplicação. Aqui indagamos, qual a limitação de seu uso comercialmente?
De acordo com a legislação vigente, é proibida a reprodução da bandeira em rótulos e invólucros de produtos expostos à venda. Na mesma toada, a legislação especial que regula diretos e obrigações relativos à propriedade industrial, popularmente conhecida como LPI, no texto do artigo 124, veda a possibilidade de registro como marca, da bandeira e qualquer designação, figura ou imitação do símbolo nacional.
O Manual de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, que tem por finalidade estabelecer às diretrizes e procedimentos de análise de marcas, bem como instruções para formulação dos pedidos de registro, em concordância com a norma legal, no inciso 5.8.1, estabelece que a proibição é de caráter absoluto e irrevogável, abrangendo todo e qualquer país, ainda que exista o consentimento.
Desse modo, nas diretrizes do Manual, a restrição do artigo 124, é imposta a todo e qualquer pedido de registro de marca que traga à reprodução, imitação de um símbolo ou elementos característicos deste, independentemente de quem seja o requerente, inclusive se ele for próprio Estado Nacional.1
Em 2007, o Deputado Federal Valdir Colatto, apresentou à Câmara o Projeto de Lei 2271, com proposta que permite o uso da bandeira nacional livremente, inclusive, em rótulos e invólucros. Quando questionado sobre o projeto apresentado, em referência ao regime ditatorial, o Deputado declarou que tratava-se de “ocasião em que os símbolos nacionais assumiam muito mais a conotação de propriedade do Estado do que patrimônio do povo brasileiro”.2 Apensado ao PL 3174/97, 14 anos depois, o Projeto de Lei ainda está em tramitação perante a CCJC – Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.
No mesmo sentido, o Ministério Público Federal já propôs, através de ação civil pública, o reconhecimento que os tempos atuais não comportam todas às restrições e vedações impostas pela lei, sob o argumento que ferem a liberdade de expressão.
Tal entendimento se consolida, através do acórdão da apelação cível n° 2008.72.05.002701-1/SC, proferido pelo Desembargador Federal Fernando Quadros da Silva, do Tribunal Regional Federal da 4° Região, que sabiamente acolheu o parecer da douta Procuradora Regional da República Samantha Chantal Dobrowolski, que definiu a relevância do tema, no que tange aos direitos constitucionais individuais acerca do assunto:
“(…) 22. Quanto ao mérito, conforme ressaltado pelo Parquet Federal na peça inicial, verifica-se que o conflito entre os dispositivos impugnados e o comportamento das pessoas é real, palpável e provado nos autos, traduzindo-se este conflito na manifestação do civismo em desacordo com a lei, mas em acordo com a Constituição. A Lei nº 5.700/71, no art.31, estabelece quais são as manifestações que desrespeitam a Bandeira Nacional, proibindo-as, verbis:
Art. 31. São consideradas manifestações de desrespeito à Bandeira Nacional, e portanto proibidas:
I – Apresentá-la em mau estado de conservação.
II – Mudar-lhe a forma, as cores, as proporções, o dístico ou acrescentar-lhe outras inscrições;
III – Usá-la como roupagem, reposteiro, pano de boca, guarnição de mesa, revestimento de tribuna, ou como cobertura de placas, retratos, painéis ou monumentos a inaugurar;
IV – Reproduzi-la em rótulos ou invólucros de produtos expostos à venda.
23. De acordo com esse artigo seriam ilegais as seguintes condutas: jogadores de futebol campeões do mundo receberem troféus envoltos na bandeira nacional; a mesma atitude em outras vitórias de atletas brasileiros em outras competições desportivas; uso da bandeira como capa, roupa e fantasia; fixação da bandeira com o retângulo e posição vertical; uso da bandeira no Carnaval, Oktoberfest, festas juninas, entre outras.
24. Porém, as referidas condutas são legais, de acordo com a Constituição, que garante o direito à livre manifestação do pensamento, o direito à liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, cientifica e de comunicação (arts.5º, incisos IV e IX, da Constituição Federal).
25. Portanto, verifica-se o conflito entre a lei e a Constituição, se a lei representa uma ameaça a direitos fundamentais dos cidadãos assegurados pela Constituição. E, portanto o Judiciário não pode se negar a permitir o acesso à Justiça, especialmente se quem pleiteia tal acesso é a sociedade, por seu representante, o Ministério Público, sob pena de ofensa ao art.5º, XXXV da Constituição da República.”3
Malgrado os entendimentos acima citados, sem previsão de revogação e condicionada à tradicional morosidade brasileira, certo é que, na atualidade, pelo menos no texto legal, configura-se, contravenção penal sob pena de multa, a violação de qualquer dispositivo da norma em comento. Vez que, ainda que em desuso e constantemente negligenciada, enquanto não for efetivamente revogada, não é permitido legalmente, a utilização comercial da Bandeira Nacional em rótulos, invólucros, roupagem e qualquer outro item que se assemelhe, com vedação expressa à sua personalização e estilização.
Dessa forma, em que pese o conflito, inclusive já reconhecido pelo Poder Judiciário, evidencia-se na prática, que a citada lei apenas tem aplicabilidade e indubitavelmente acarreta prejuízos, àqueles que pleiteiam registros perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial, sendo este o único órgão que de fato aplica a vedação legal existente ao uso da Bandeira Nacional para fins comerciais, indeferindo todo e qualquer pedido que faça uso dela como marca.
*Milene Correia, coordenadora de Negócios da MoselloLima Advocacia. Advogada e especialista em Propriedade Intelectual, graduada em Direito pela Universidade Braz Cubas e pós-graduada em Direito Empresarial , com foco em Negócios, pela Fundação Getúlio Vargas – FGV
1Manual de Marcas INPI, 4ª revisão (janeiro 2021), http://manualdemarcas.inpi.gov.br/
2Fonte: Agência Câmara de Notícias
3https://trf-4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/910167685/apelacao-civel-ac-2801-sc-20087205002801-1/inteiro-teor-910168106