“Além do universo” é a tradução livre do termo que vem movimentando as redes desde o segundo semestre de 2021. A promessa principal é uma revolução digital e tecnológica, que possibilita ao usuário uma experiência imersiva em uma nova realidade, em que é possível experimentar o ambiente físico e real através de meios digitais, este é o Metaverso.
Novo para a maioria, ele surgiu pela primeira vez em 1992, no livro de ficção científica “Snow Crash” de autoria do escritor Neal Stephenson, em que o personagem principal é, na vida real, um entregador de pizza, mas em uma realidade virtual, se transforma em um hacker samurai. O formato e essência, já eram também praticados nos jogos, como por exemplo o consagrado Fortnite, que coleciona usuários famosos, entre eles o jogador de futebol Neymar Jr.
Entretanto, a indiscutível globalização do termo e a célere popularização do conceito, aconteceram somente quando Mark Zuckerberg anunciou em outubro passado o rebranding, ou seja, a ressignificação, do Facebook, que passou a se chamar “Meta”.
Para os que apostavam no Metaverso como o futuro, ele se tornou mais real, concreto e seguro, com os investimentos anunciados por Zuckerberg. A transição não será imediata e o presságio é a construção de um ambiente responsável e seguro ao longo dos próximos anos. O que desafiará todo ordenamento jurídico, que, ainda sem qualquer previsão de uma legislação especifica, terá que se desdobrar para acompanhar a evolução tecnológica vislumbrada.
O acertado seria uma adequação legislativa, que padronizasse o entendimento e proteção jurídica global, acompanhando o alcance do Metaverso. Todavia, trata-se de uma utopia, sem nenhuma previsão, nem a longíssimo prazo, de se tornar real.
Nesse sentido, diversas marcas consolidadas, eufóricas para serem precursoras dentro desta nova realidade, já deram seus passos inaugurais. A Adidas, faturou US$22 milhões, que na moeda brasileira, representa aproximadamente R$125 milhões, em sua curta existência no ambiente Metaverso. A comercialização de seus tokens não fungíveis, NFTs, sigla para o termo non fungible token, esgotou em minutos, encorajando o mercado.
O segmento de luxo também fez suas apostas. As gigantes Gucci, Burberry, Balenciaga e Louis Vitton, marcaram suas presenças com as “skins”, ou seja, roupas e acessórios virtuais para personagens de jogos.
Se a Propriedade Intelectual já enfrentava no Brasil desafios constantes, eles tendem a não só multiplicarem, mas também se obscurecerem ainda mais diante das relações e negócios desenvolvidos neste ascendente espaço virtual.
Nossa lei de Direitos Autorais, a lei nº 9.610/98, com 24 anos de idade, definitivamente não está apta a tutelar inovações do porte das aqui comentadas. O primeiro ponto conflituoso que enxergamos para um futuro próximo, caso não seja revista e atualizada, é o fato de a norma reconhecer como autor a pessoa física criadora da obra, exigindo necessariamente a existência de autoria humana. No caso da criação das skins, emblemas ou qualquer outro produto dentro do Metaverso, não se pode precisar, sem uma ampla análise e adaptação da legislação, a quem pertencerá.
Pela interpretação atual, os Direitos Autorais podem ser divididos como morais e patrimoniais, sendo o primeiro o mais complexo. Por ser intransmissível e irrenunciável, sempre seguirá o autor da obra, sendo ele seu designer ou empresa que lance produto ou serviço, neste ambiente. Adverso dos patrimoniais, que podem ser transferidos, cedidos ou indenizados, tornando a administração mais simples.
Certo é que as regras insculpidas na lei, provavelmente nos levarão a presenciar disputas que envolvam proprietários de avatares e os proprietários dos ambientes em que a criação se deu.
No que concerne às NFTs, o consumidor que as adquirir, não terá a transferência da propriedade intelectual, que continuará sendo do autor ou empresa, garantindo apenas o seu direito de uso, com as limitações aplicadas ao tipo de produto e serviço, trata-se de uma espécie de licenciamento e não de cessão de direitos.
Além disso, como não há previsões legais explicitas para NFTs ou skins, elas terão que ser comparadas a softwares e programas de computador, tutelados na Lei 9.609/98 e no que for omissa, aplicaremos a LDA – Lei de Direitos Autorais, com adaptação do formato de direitos e deveres relacionados ao tema.
No campo da propriedade industrial, mais especificamente no que tange ao Direito Marcário, os desafios são igualmente abundantes. A marca deverá ser registrada pelo detentor de seus direitos junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI e será transportada para o ambiente virtual, com monitoramento e preservação humanas. Não há como se desvencilhar do formato atual, a legislação não permite, ainda, que a realidade paralela digital tenha total autonomia.
Com isso, a territorialidade passa a ser também outro potencial desafio, tendo em vista que o Metaverso não tem seu alcance limitado, enquanto a marca deve ser registrada em cada país de atuação, não existindo hoje, extensão de seus efeitos fora do território em que foi depositada.
Ao proprietário da marca, a luta contra a diluição será dúplice, isso porque exigirá um monitoramento especializado também no universo digital, evitando que o fenômeno ocorra de maneira desenfreada.
A marca é um ativo intangível de extremo valor, na maioria dos casos, o maior bem de uma empresa. Quando ela é forte, se relaciona automaticamente à natureza e origem do produto ou serviço, não causando nenhuma confusão ao seu público, consequentemente, aumentando seu poder de venda, vez que sua exclusividade e unicidade trarão forte posicionamento no mercado.
O fenômeno da diluição, não está diretamente relacionado a concorrência, ele diminui seu poder de venda porque fere sua unicidade e exclusividade, ameaça diretamente sua força de reconhecimento no mercado.
A Lei de Propriedade Industrial, em seu artigo 130, inciso III, assegura ao titular da marca ou seu depositante, o direito de zelar pela sua integridade material ou reputação, visando possibilitar ações que evitem o enfraquecimento da sua distintividade. Na prática, o ambiente do Metaverso deve dificultar o monitoramento, que precisará ser constante, para evitar que outras marcas que se aproximam ou assemelham, cresçam.
A celeridade e alcance que um produto pode ter em poucas horas no universo digital, impossibilitará a existência de um controle rígido e eficaz. A ofensa aos direitos marcários tende a ser frequente, bem como a concorrência desleal e parasitária.
Com a identificação dos riscos, as empresas, com o intuito de se blindarem, enfrentarão esses desafios com um enrijecimento de seus contratos de licenciamento, cessão de marcas e conteúdo. Provavelmente passarão por uma adequação com o fim de prever expressamente as possibilidades de exploração nesta nova realidade. Certamente, novos padrões serão adotados no mercado, o que irá ajudar. Contudo, essas novas medidas não serão capazes de blindar e proteger completamente os autores, empresários, nem mesmo os consumidores, nesta nova realidade virtual. Conclusão não pode ser outra, senão que o Direito terá que evoluir mais rápido para acompanhar e solucionar os conflitos que estão por vir.
Milene Correia, coordenadora de Negócios da MoselloLima Advocacia.