Em 25 de maio de 2022, a Lei Federal nº 12.651, intitulada como Novo Código Florestal, completa 10 anos de sua promulgação. A lei que tramitou durante cerca de 13 anos no Congresso Nacional (Projeto de Lei nº 1.876/99), substituiu o antigo Código Florestal (Lei Federal nº 4.771/1965) que já era alvo de diversas alterações normativas mediante extenso conjunto de Medidas Provisórias, editadas ao longo de sua vigência.
Dentre as inovações advindas do Código Florestal, destacam-se as oportunidades para combinar a adoção do controle ambiental e monitoramento do desmatamento com instrumentos econômicos, para um uso da terra e gestão do território mais eficientes, bem como os critérios de compensação facultados aos proprietários de terras que, até 22 de julho de 2008, não cumpriram com os requisitos legais de conservação.
Neste contexto, emerge a Cota de Reserva Ambiental – CRA1 como uma das modalidades possíveis à efetivação da compensação da Reserva Legal prevista em lei. A CRA caracteriza-se, pois, como um título nominativo representativo de uma área com vegetação nativa, por meio do qual o excedente desta vegetação pode ser comercializado como um ativo ambiental, visando a regularização ambiental, sendo que cada cota corresponderá à 1 hectare (ha).
Para a instituição das cotas é necessário que a área esteja devidamente inscrita no Cadastro Ambiental Rural - CAR, tenha vegetação nativa (existente ou em recuperação) e atenda pelo menos um dos seguintes requisitos: (i) esteja sob regime de servidão ambiental; (ii) corresponda a área de Reserva Legal instituída voluntariamente sobre a vegetação excedente ao mínimo legal; (iii) seja instituída na forma de Reserva de Patrimônio Particular Natural - RPPN; ou (iv) esteja em propriedade rural localizada no interior de Unidade de Conservação que não tenha sido desapropriada.
Frise-se, por oportuno, que as Cotas de Reserva Ambiental podem ser consideradas uma resposta inteligente na resolução do enorme passivo ambiental brasileiro, já que, ao passo em que representam, efetivamente, uma ação de conservação, por meio de compensação ambiental, permitem a captação de recursos como forma de retribuir ou remunerar pela conservação de determinada vegetação.
De forma resumida, o proprietário rural que conservou uma área maior do que a sua obrigação legal prevista pelo Código Florestal poderá vender este excedente, por meio de uma CRA; ao passo que o dono de outra propriedade que não possui área disponível para reflorestar poderá adquirir essa cota cumprindo, desta maneira, as exigências estabelecidas pela legislação ambiental.
Tal possibilidade, em função das recentes normativas ambientais e, em especial, da evolução da cultura de valorização das áreas de floresta, se consolida como uma excelente oportunidade de “monetização” da preservação ambiental, por meio de um mercado de ativos ambientais.
Fato é, no entanto, que, os avanços já alcançados, alguns obstáculos ainda precisam ser vencidos com vistas à operacionalização das CRAs que, mesmo após dez anos de sua instituição, ainda caminha a passos lentos.
Não se pode desconsiderar que a Cota de Reserva Ambiental, assim como outros mecanismos e instrumentos previstos na Lei Federal nº 12.651/2012, fora objeto de questionamentos por meio das ADINs, o que trouxe muita insegurança jurídica sobre o futuro da CRA e a implementação do Novo Código Florestal.
O julgamento2 do Código Florestal foi encerrado em 18 de fevereiro de 2018 pelo Supremo Tribunal Federal – STF, tendo sido mantidos os principais pilares da lei de forma a estabelecer a solução jurídica das controvérsias sobre as inconstitucionalidades. Com relação à Cota de Reserva Ambiental (CRA), todavia, o julgamento gerou uma incoerência importante.
Diz-se isto, pois, o STF, ao se pronunciar sobre a Cota de Reserva Ambiental, ao tempo em que se posicionou pela constitucionalidade do instrumento, adotou o critério da identidade ecológica, trazendo, com isso, elemento de valoração subjetiva, sem definição técnica ou normativa objetiva.
Ao disciplinar sobre a matéria, Leandro Henrique Mosello Lima3, esclarece que da interpretação das razões do Acórdão, o STF definiu que a compensação deve ocorrer em área localizada no mesmo Bioma, porém, não apenas isso, mas observando a necessidade de que esta área possua os atributos ecológicos da região em que se insere o imóvel que terá a reserva legal compensada em outro.
A regulamentação da Cota de Reserva Ambiental – CRA ocorreu em 22 de dezembro de 2018, através do Decreto Federal nº 9.640, o qual definiu premissas gerais para emissão, registro, transferência e utilização e cancelamento da CRA. Vê-se, entretanto, que apesar da regulamentação dos procedimentos relativos à CRA e da solução jurídica das controvérsias sobre as inconstitucionalidades, não se verificou o avanço e mobilização no desenvolvimento do mecanismo pelos Estados; do contrário, a realidade premente é a de que a maioria ainda não está instrumentalizado para emitir tais títulos.
Para acrescentar, outro pré-requisito previsto no Código Florestal é de que, para fins de comercialização como ativo florestal, o excedente de remanescente de vegetação nativa primária ou secundária em qualquer estágio de regeneração ou recomposição ou de área em processos de recuperação ambiental estejam inseridos em imóvel rural serviente com sua área de Reserva Legal registrada e aprovada no Cadastro Ambiental Rural - CAR.
O problema, neste ponto, reside no fato de que o CAR ainda enfrenta desafios em sua implementação. Segundo João Adrien, diretor de Regularização Ambiental do SFB, dos mais de 7 milhões de cadastros no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural - SICAR, somente 3% deles foram analisados, além dos problemas de sobreposição territorial presentes em cerca de 20% e dos erros de declaração – que são bem mais significativos.
Apesar destes obstáculos, algumas iniciativas já se encontram consolidadas com um mercado de compra e venda de cotas de reserva legal. Por exemplo, a Bolsa Verde do Rio de Janeiro - BVRio possibilita, através de operações de mercado, produtores e proprietários rurais ganhem dinheiro com a preservação da vegetação nativa de seus imóveis, com a comercialização das CRAs, realizada por meio de contratos onde o vendedor se compromete a criar as cotas e entregá-las ao comprador mediante o pagamento de um preço previamente acordado entre as partes.
Resta, portanto, inquestionável o potencial promissor da CRA, inclusive, no desenvolvimento do mercado de venda de ativos ambientais, contudo, para que possa ser definitivamente explorado é fundamental que todas as indefinições sejam neutralizadas, assim os títulos poderão ser emitidos com a maior segurança jurídica possível.
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1 Art. 44. É instituída a Cota de Reserva Ambiental - CRA, título nominativo representativo de área com vegetação nativa, existente ou em processo de recuperação: I - sob regime de servidão ambiental, instituída na forma do art. 9º-A da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981; II - correspondente à área de Reserva Legal instituída voluntariamente sobre a vegetação que exceder os percentuais exigidos no art. 12 desta Lei; III - protegida na forma de Reserva Particular do Patrimônio Natural - RPPN, nos termos do art. 21 da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000; IV - existente em propriedade rural localizada no interior de Unidade de Conservação de domínio público que ainda não tenha sido desapropriada.
§1º A emissão de CRA será feita mediante requerimento do proprietário, após inclusão do imóvel no CAR e laudo comprobatório emitido pelo próprio órgão ambiental ou por entidade credenciada, assegurado o controle do órgão federal competente do Sisnama, na forma de ato do Chefe do Poder Executivo. §2º A CRA não pode ser emitida com base em vegetação nativa localizada em área de RPPN instituída em sobreposição à Reserva Legal do imóvel. §3º A Cota de Reserva Florestal - CRF emitida nos termos do art. 44-B da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, passa a ser considerada, pelo efeito desta Lei, como Cota de Reserva Ambiental. §4º Poderá ser instituída CRA da vegetação nativa que integra a Reserva Legal dos imóveis a que se refere o inciso V do art. 3º desta Lei.
2 Em 28/2/18, foi concluído o julgamento das ADINs 4.901, 4.902, 4.903 e 4.937 e da ADC 42, que buscavam a declaração de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade de dispositivos da lei federal 12.651/12, de expressões contidas em tais dispositivos ou sua interpretação conforme a Constituição.
3 LIMA, Leandro Henrique Mosello. Manual de Direito Florestal: disciplina jurídica das florestas naturais e plantadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021.
Mariana Vidal, legal master da área de Direito Ambiental da MoselloLima Advocacia.