Com a vigência da Lei da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (Lei Federal nº 14.119/2021) e a crescente demanda mundial por medidas que estimulem o provimento de serviços ambientais, o “PSA” ganha a cada dia mais materialidade, com arranjos que buscam torná-lo efetivo, uma realidade mais contundente e que responda a permanente pergunta: alguém está recebendo ou pagando por serviços ambientais?
Para responder esta pergunta, importante frisar que a “Lei do PSA” definiu os serviços ecossistêmicos como os “benefícios relevantes para a sociedade gerados pelos ecossistemas, em termos de manutenção, recuperação ou melhoria das condições ambientais” e os ambientais como as “atividades individuais ou coletivas que favorecem a manutenção, a recuperação ou a melhoria dos serviços ecossistêmicos”, onde em tais definições temos elementos que determinam que para que tais serviços sejam negociados, em arranjos de PSA, precisam ser identificados, mensurados e valorados, onde a identificação corresponde ao próprio atendimento de um dos requisitos de validade do negócio jurídico, nos termos do inciso II do Art. 104 do Código Civil – “objeto lícito, possível, determinado ou determinável”.
Este é um dos maiores desafios para a efetivação de um mercado de Pagamento por Serviços Ambientais: a materialização deste objeto negocial de forma confiável, passível de auditorias de terceira parte, onde a rastreabilidade é fundamental para se pontuar a efetiva existência do serviço ecossistêmico e ambiental, sua localização e porte, bem como do ativo (bem) ambiental gerador.
Além de fundamental para se firmar a existência do objeto do negócio jurídico, esta identificação segura, se presta a permitir avaliar elementos associados, sinérgicos e periféricos que também terminam por compor a necessária governança destes ativos ambientais e seu desdobramento no atendimento aos princípios, critérios e indicadores da agenda ESG, intimamente vinculada aos arranjos de PSA, integrantes de termos de referência de fundos de investimentos e matrizes de investidores nacionais e internacionais.
Dentre as inúmeras possibilidades e institutos que ganham protagonismo ou se tornam importantes coadjuvantes, entra em cena uma tecnologia que une os aspectos essenciais para a efetivação de transações de ativos e monetização do Pagamento por Serviços Ambientais, o blockchain.
O blockchain se estrutura por criptografia através de uma cadeia em blocos, consistindo em uma rede decentralizada de validação de informações através do ambiente virtual. Esta rede descentralizada não possui qualquer vinculação com órgãos estatais ou ligações com entidade monetárias ou de valores.
Em síntese, na tecnologia blockchain, temos milhares de validadores de informações, que são chamados de “nós”, onde toda vez que é realizada uma transação, é registrada uma nova informação, que é submetida aos milhares de validadores, e estes, em contrapartida, recebem uma espécie de “recompensa” monetizada dentro da própria cadeia quando validam as informações submetidas, tornando esta operação, em regra, financeiramente intransponível, visto que eventual fraude teria que envolver simultaneamente milhares de pessoas. A cada vez que esse arquivo digital é submetido para o registro de uma nova informação, ele recebe uma codificação única e irreversível, composta de números e letras, denominada de “hash”, trazendo assim a informação anteriormente registrada e o seu novo conteúdo, criando uma espécie de cadeia sequencial, com segmentos e informações atualizadas a cada bloco.
É por intermédio do blockchain que ganharam impulso as transações valorativas virtuais, como por exemplo os NFT – Non-Fungible Token, criptomoedas e smartcontracts, constituindo cenário do fenômeno da “tokenização”, que consiste na geração de tokens com informações transacionais de ativos registrados, justamente, através da tecnologia blockchain;
Com um ambiente transacional descentralizado, sem que haja a necessidade de intercessão através de intermediadores, e sendo uma modalidade dinâmica, célere, alicerçada numa cadeia de informações e históricos cujo registros não se consegue alterar ou apagar, notadamente pela densa segurança que envolve todo o procedimento, a “tokenização” se eleva a uma via quase que irrefragável para quem pretende realizar transações de ativos, reunindo segurança, rastreabilidade e acessibilidade aos ativos e serviços constituídos em tokens, “criptoativos”.
O desenvolvimento de um “mercado verde” de PSA tem, certamente, nos “criptoativos ambientais” um caminho com objetiva sinergia com a latente necessidade imposta pelos requisitos de mercado e de validade do próprio negócio jurídico, compreendidos como o registro da materialização dos serviços ecossistêmicos e ambientais, com todas as suas especificações e relações sinérgicas, quais, através da tokenização, permitam a comercialização em diferentes escalas, fracionamentos e modalidade destes serviços valorados, vinculados a ativos ambientais.
O relevo deste cenário é ainda maior quando nos deparamos com sucessivos questionamentos de mais do que materializar a negociação do pagamento por serviços ambientais – PSA entre pessoas jurídicas (B to B), mas para pessoas jurídicas com pessoas físicas (B to C), onde, no rastro das iniciativas já existente para os créditos de carbono, se mostram possíveis, desejáveis e com potencial muito relevante para auxiliar no impulsionamento de mercados e PSA.
Inobstante o expressivo crescimento da tokenização, principalmente no que tange a transação de ativos, não há legislação própria que regulamente a criação, gestão, compra, venda e demais operações de expedientes desta natureza, tramitando assim alguns Projetos de Lei com tal objeto, utilizando-se, subsidiariamente, a legislação ordinária aplicável aos negócios jurídico, ao mercado ou segmento onde as transações que utilizam esta tecnologia estão sendo realizadas.
Serviços ecossistêmicos e ambientais podem ser identificados, vinculados a ativos ambientais, sendo constituídos em criptoativos ambientais, tokens, e assim negociados sob tal meio, valendo registrar inexistir impedimento para que tal prática seja promovida de imediato, com negócios jurídicos de créditos e direitos vinculados de PSA.
Nunca fez tanto sentido a união da tecnologia e natureza. A resposta para a pergunta inicial passa pela instituição de meios que favoreçam os arranjos de Pagamento por Serviços Ambientais, com a possibilidade da realização de transações seguras, transparentes, fluídas e céleres, através da utilização dos criptoativos ambientais, fomentando um mercado munido de ferramentas de rastreabilidade e acessibilidade aos que desejem investir.
Leandro Mosello, sócio fundador e diretor da área de Direito Ambiental e Corporativo.
Murilo Gomes, sócio e head das áreas de Direito Digital e de Negócios.