A Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (ASIBAMA) impetrou a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 4757 bucando a declaração de inconstitucionalidade dos arts. 4º, V e VI, 7º, XIII, XIV, “h”, XV e parágrafo único, 8º, XIII e XIV, 9º, XIII e XIV, 14, § 3º, 15, 17, caput e §§ 2º, 20 e 21 da Lei Complementar nº 140/2011 e, por arrastamento, da integralidade da legislação, em especial, sob a alegação de que a pretexto de regulamentar a cooperação entre os entes federados, teria fragilizado a proteção do meio ambiente.
Em objetiva síntese, a ASIBAMA alegou a inconstitucionalidade formal do art. 17-§3.º por afronta ao art. 65-parágrafo único da Constituição, que determina o retorno do projeto de lei à Casa de origem, quando houver emenda, bem como, argumentou que a Lei Complementar nº 140/2011, ao definir as competências dos entes federados, teria segmentado e limitado o exercício do dever de proteção do meio ambiente, o que resultaria em afronta ao art. 225, caput da Constituição Federal.
O Supremo Tribunal Federal reconheceu que a Lei Complementar nº 140/2011 é constitucional
No decorrer da apreciação pela Suprema Corte pontos de grande impacto na segurança jurídica dos processos de licenciamento ambiental entram em risco de entendimentos extravagantes e que retornariam - em especial, duas questões - a verdadeiro limbo jurídico: a validade das licenças enquanto o órgão ambiental competente não conclui o processo de renovação; e, o exercício do poder de polícia fiscalizador concomitantemente entre os entes federados.
Não obstante, o STF terminou por firmar a constitucionalidade de todos os dispositivos impugnados na ADI, arts. 4º, V e VI, 7º, XIII, XIV, “h”, XV e parágrafo único, 8º, XIII e XIV, 9º, XIII e XIV, 14, § 3º, 15, 17, caput e §§ 2º, 20 e 21 da Lei Complementar nº 140/2011 e, por arrastamento, da integralidade da legislação, porém estabelecendo interpretação conforme à Constituição Federal para o § 4º do art. 14 e § 3º do art. 17.
O §4 do art. 14 da Lei Complementar nº 140/2011, estabelece que:
Art. 14. Os órgãos licenciadores devem observar os prazos estabelecidos para tramitação dos processos de licenciamento. (...)
§ 4º. A renovação de licenças ambientais deve ser requerida com antecedência mínima de 120 (cento e vinte) dias da expiração de seu prazo de validade, fixado na respectiva licença, ficando este automaticamente prorrogado até a manifestação definitiva do órgão ambiental competente.
Trata-se de norma já presente na Resolução CONAMA nº 237/1997 e em inúmeras normas estaduais e municipais, todas sob o fundamento de que não é possível se atribuir ao administrado prejuízo ou insegurança jurídica, menos ainda, a paralização de sua atividade ou empreendimento por mora da Administração Pública. No entanto, o STF terminou por concluir que o dispositivo deve ser interpretado sob a lógica de que a “a omissão ou mora administrativa imotivada e desproporcional na manifestação definitiva sobre os pedidos de renovação de licenças ambientais instaura a competência supletiva do art. 15”, ou seja, a competência para processamento e conclusão do procedimento de renovação da licença ambiental passaria para o órgão ambiental do ente federado superior - município para o Estado, Estado para a União. Assim dispõe o art. 15 da Lei Complementar nº 140/2011:
Art. 15. Os entes federativos devem atuar em caráter supletivo nas ações administrativas de licenciamento e na autorização ambiental, nas seguintes hipóteses:
I - inexistindo órgão ambiental capacitado ou conselho de meio ambiente no Estado ou no Distrito Federal, a União deve desempenhar as ações administrativas estaduais ou distritais até a sua criação;
II - inexistindo órgão ambiental capacitado ou conselho de meio ambiente no Município, o Estado deve desempenhar as ações administrativas municipais até a sua criação; e
III - inexistindo órgão ambiental capacitado ou conselho de meio ambiente no Estado e no Município, a União deve desempenhar as ações administrativas até a sua criação em um daqueles entes federativos.
A interpretação conforme manifestada pelo STF remete, portanto, a dispositivo que não tem sua motivação na finalidade utilizada. Isto porque, é nítido que o art. 15 trata de estruturação formal dos órgãos ambientais dos entes federados e, em caso de vácuo ou lacuna estrutural formal, os feitos de exercício de competência devem ser direcionados ao ente superior (sic).
É de relevo mencionar que a expressão “omissão ou mora administrativa imotivada e desproporcional” resguarda notória indeterminação e subjetividade, o que lança tal apontamento na rotina que já tanto se experimenta de justificativas operacionais que chegam a tornar os prazos administrativos impróprios como no Judiciário, especialmente quando não se admite aprovação ou licenciamento tácito por omissão ou decurso de prazo da Administração Pública.
Nada obstante, a questão comporta visão multilateral, uma vez que, é possível que o administrado se valha (agora com a força de coerção moral de uma decisão do STF), do requerimento de remessa para outro ente federado em caso de mora, mas, também, é possível se estabelecer que no caso de omissão ou mora imotivada não se tenha mais interesse processual para medidas judiciais que obriguem a conclusão do feito pelo órgão competente, mas a remessa.
O prazo da licença ambiental fica “automaticamente prorrogado até a manifestação definitiva do órgão ambiental competente”, para renovação requerida até 120 dias antes do vencimento. Art. 14, §4º da LC 140/2011 é constitucional
Neste ponto, se consolida, de toda sorte, que o prazo de vigência da licença ambiental fica “automaticamente prorrogado até a manifestação definitiva do órgão ambiental competente”, restando avaliar o momento em que o mandamento de remessa para exercício de competência supletiva por outro ente federado, corresponderá à interpretação conforme conferida pelo STF.
O segundo ponto – §3º do art. 17 da Lei Complementar nº 140/2011 – que versa sobre a prevalência do auto de infração lavrado pelo órgão originariamente competente para o licenciamento ambiental, teve sua interpretação conforme vinculada à não exclusão da atuação supletiva de outro ente federado, sendo comprovada omissão ou insuficiência na tutela fiscalizatória. Dispõe o §3º do art. 17:
Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada.
(...)
§ 3o. O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput.
Neste ponto, a caracterização dos autos de infração como atos administrativos vinculados, com aplicação objetiva do art. 50 da Lei Federal nº 9.784/1999, apresenta destaque para verificação da “omissão ou insusficiência da tutela fiscalizatória”, sendo necessário para eventual autuação supletiva motivação explícita, clara e congruente, pautada na identificação de omissão ou insuficiência no exercício do poder de polícia fiscalizatório pelo órgão originário. É nítido que há grande possibilidade de espessamento do número de ações judiciais que busquem dirimir a existência ou não da aludida omissão ou insuficiência no caso concreto, competindo aos órgãos fiscalizadores manterem estreita vinculação à circunstância que imponham a responsabilidade administrativa subjetiva nos exatos limites da norma, ou seja, não se rotulando como omissão ou insuficiência mera valoração subjetiva da qualidade ou extensão da dosimetria.
“Omissão ou insuficiência da tutela fiscalizatória” convoca a competência supletiva prevista no Art. 15 da LC 140/2011
Importante destacar que a regra de prevalência do auto de infração lavrado pelo órgão competente para o licenciamento ambiental da atividade ou empreendimento permanece vigente e foi reconhecida como constitucional, devendo-se atentar para eventual omissão ou insuficiência como condições para atuação supletiva de outro ente federado, ou seja, em regra não se cogita dois autos de infração com mesmo motivo e motivação, sob pena de caracterização de lesão ao princípio do non bis in idem, mens lege do disposto no §4º do art. 17 da Lei Complementar nº 140/2011.
O julgamento1 da ADI 4757, portanto, ao reconhecer a constitucionalidade da Lei Complementar nº 140/2011 e firmar a interpretação conforme destes dois dispositivos, potencializa a força dos comandos da lei prevista no parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal como norma de harmonização e cooperação dos entes federados na salvaguarda ambiental.
1 Sessão virtual finalizada em 12/12, com a publicação da ementa, aguarda-se a disponibilização do inteiro teor do acórdão do julgamento.