A ADI 1.625 foi impetrada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), tendo por objeto a arguição de inconstitucionalidade do Decreto Federal nº 2.100, de 20 de dezembro de 1996, que denunciou (revogou) a Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que havia sido aprovada e promulgada, respectivamente, pelo Decreto Legislativo nº 68/1992 e Decreto nº 1.855/1996.
A CONVENÇÃO OIT Nº 158
O Art. 4º da Convenção da OIT nº 158 é preciso para definir o seu comando central, que pode ser resumido como a vedação ao encerramento da relação de trabalho sem uma causa justificada. Porém, a norma não se limita ao conceito genérico, elencando circunstâncias que não caracterizam a “causa justificada”, bem como, determinando que questões próprias do jus variandi, ou seja, do poder do empregador, não possam ser exercidas injustificadamente.
Art. 4º. Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.
O conjunto procedimental e normativo imposto pela referida Convenção é extenso, detalhado e com elementos que vão desde a impossibilidade de dispensa imotivada, como regra, até amplo procedimento prévio e posterior ao encerramento da relação de trabalho, elencando, inclusive a participação de organizações representativos em cada desligamento.
A CONTROVÉRSIA
A Convenção da OIT nº 158 foi ratificada pelo Congresso Nacional através do Decreto Legislativo nº 68 de 16 de setembro de 1992 e promulgada através do Decreto Federal nº 1.855, de 10 de abril de 1996, sendo que fora publicado o Decreto Federal nº 2.100, de 20 de dezembro de 1996, tornando pública a denúncia à referida convenção, já com a formalização perante à OIT. Fato: Brasil não é signatário ou adeso à Convenção da OIT nº 158.
A questão é que os autores da ADI 1.625 alegam ofensa ao Art. 49, inciso I da Constituição Federal que dispõe ser competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, o que reputam por lesado diante do fato de que o Executivo Federal teria promovido a denúncia sem aquiescência do Congresso Nacional.
A RATIFICAÇÃO E PROMULGAÇÃO DA CONVENÇÃO DA OIT Nº 158 E A ADI 1.408
Tanto o Decreto Legislativo nº 68/1992, quanto o Decreto Federal nº 1.855/1996, deram azo à impetração da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.480 por lesão ao Art. 7º, I, da Constituição Federal, e, também, ao Art. 10, I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias/1988, circunstância na qual o próprio STF consignou que os dispositivos da Convenção da OIT nº 158 eram meramente programáticos e que tal Convenção não poderia se sobrepor a Lei Complementar, dada sua natureza de lei ordinária, o que acarretaria ofensa ao mencionado Art. 7º, inciso I da Constituição Federal:
Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I) relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos.
Portanto, no cenário fático o Executivo Federal se antecipou ao resultado do julgamento do STF naquela oportunidade, denunciando unilateralmente a Convenção da OIT nº 158, de onde vale se extrair passagem da exposição promovida pelo Chanceler Celso Lafer: “Na verdade, a Convenção poderia, de um lado, ser invocada para justificar demissões excessivas e indiscriminadas, baseadas em motivos gerais e vagos do lado da empresa, estabelecimento ou serviço”, como indicado no Artigo 4, por outro lado, abriria a possibilidade para uma proibição ampla de dispensas o que não seria compatível com o programa atual de reformas econômicas e sociais e modernização. A Convenção foi vista como um retorno no esforço de reduzir a intervenção do Estado. Essa incerteza quanto ao alcance de aplicação do disposto na Convenção geraria, no contexto do sistema legal brasileiro, baseado na lei positivada, insegurança e conflitos, sem nenhuma vantagem prática para a melhoria e modernização das relações de trabalho”.
Outro ponto a ser destacado é que o dispositivo constitucional tido por ofendido – Art. 49, I – é vinculado a encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, como diz o inciso I do art. 49, da CF vincula a competência exclusiva do Congresso Nacional, resolver definitivamente sobre tratados, acordos e atos internacionais quando, e somente quando, “acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”, o que não se afigura no caso de dispensas imotivadas, com natureza jurídica contratual, espelhadas na liberdade de contratação e iniciativa, com o devido alicerce em verbas indenizatórias vinculadas ao ato de liberalidade do contratante.
Vale dizer, ainda que se decida pela irregularidade da forma em que a Convenção 158 foi denunciada, restariam ainda dúvidas a respeito de sua aplicabilidade diante do cenário atual, sobretudo considerando a já plena implementação de regime, e até cultura, que admite forma diversa de gestão dos contratos de trabalho, com edição de Leis complementares e Emendas Constitucionais que mantiveram plenamente válida a modalidade adotada pelo Brasil atualmente.
No limite, reconhecer o fim da dispensa imotivada faz emergir uma outra discussão atinente à compatibilidade da regra trazida pela OIT-158 com a multa de 40% sobre o saldo do FGTS, posto que tal exigência nasceu justamente para desestimular demissões sem motivação específica e, tendo o empregador que especificar a razão do desligamento, a punição financeira não poderia ser aplicada.
PARA ONDE CAMINHA O STF
A ADI 1.625 encontra-se com votos proferidos que formam maioria para reconhecimento da inconstitucionalidade do Decreto Federal nº 2.100, atualmente em pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes e com recente voto do Ministro Dias Toffoli. As apostas residem em modulação dos efeitos prospectivos da interpretação conforme, existindo quem aposte que o reconhecimento da necessidade de submissão ao Congresso Nacional para a denunciação de convenções passe a valer para casos futuros.
Certo é que cogitar os efeitos ordinários do reconhecimento da inconstitucionalidade de um ato administrativo, tal como o Decreto Federal nº 2.100, não pode ser visto de forma rasa, ao passo que as consequências dele decorrentes podem abalar a segurança jurídica existente há mais de 40 (quarenta) anos.
Assim, espera-se que o foco da questão seja a possível atuação legislativa para que seja suprida a lacuna a ser reconhecida pelo STF pelo rito do Decreto 2.100, não havendo, por si só, o renascimento de questões já revisitadas e pacificadas pelo próprio Supremo Tribunal Federal.