Desmatamento é a retirada da cobertura vegetal. De uma definição econômica e própria do senso comum, emerge uma das maiores pautas ambientais no mundo, notadamente, pelas inegáveis funções ecológicas das florestas, sobretudo, na regulação climática, disponibilidade hídrica, preservação dos agentes polinizadores, abrigo da biodiversidade e tantas outras que correspondem aos mais objetivos tópicos das múltiplas agendas de conservação ambiental e combate às mudanças climáticas.
Com a aceleração das mudanças climáticas e grande turbulência ambiental do mundo - associadas a fatores alavancados por posicionamentos de lideranças, com nítido uso da questão como embate e contraposição políticas - temos um cenário em que o desmatamento é pauta permanente, nutrida por uma avalanche de números, dados, monitoramentos, de variadas fontes, o que, de maneira praticamente automática, gera um volume plural de manchetes catastróficas sobre o tema.
O problema é grave, real e contundente. Porém, um ponto requer atenção e muito cuidado: não diferenciar desmatamento ilegal do legal, ou seja, colocar no “mesmo pote” as ações criminosas e ilegais de desmatamento com a conversão autorizada de vegetação natural ou nativa para uso alternativo do solo, é das medidas que mais podem potencializar a supressão de vegetação clandestina, além de ser uma posição ilegal.
O Código Florestal não permite tal confusão.
O Código Florestal atual – Lei Federal nº 12.651/2012 – nitidamente estabelece (Art. 2º, inciso III) a necessidade de compatibilização e harmonização entre “o uso produtivo da terra e a preservação da vegetação”, trazendo o conceito de “uso alternativo do solo” no seu Art. 3º, inciso VI: “substituição de vegetação nativa e formações sucessoras por outras coberturas do solo, como atividades agropecuárias, industriais, de geração e transmissão de energia, de mineração e de transporte, assentamentos urbanos ou outras formas de ocupação humana” e definindo as condições para que tal conversão seja, previamente, autorizada nos artigos 26, 27 e 28[1], que assim podem ser resumidas:
- Previamente autorizada pelo órgão competente, em regra, o estadual;
- Registro do imóvel no Cadastro Ambiental Rural – CAR;
- Definição da localização do imóvel, com as Áreas de Preservação Permanente – APP, Área de Reserva Legal – ARL e áreas de usos restritos, com as respectivas coordenadas;
- Reposição ou compensação florestal nos termos do §4º do Art. 33 do Código Florestal;
- Demonstração do uso efetivo das áreas já desprovidas de vegetação nativa no imóvel;
- Apresentação do uso alternativo que será dado à área a ser convertida;
- Condiciona, no caso de existir espécie da flora ou da fauna ameaçada de extinção, segundo lista oficial publicada pelos órgãos federal ou estadual ou municipal do Sisnama, ou espécies migratórias, a medidas compensatórias e mitigadoras; e, por fim
- Proíbe a autorização para conversão, caso existam áreas abandonadas desprovidas de vegetação nativa no imóvel.
A este conjunto de requisitos gerais, ainda se somam inúmeros dispositivos específicos, tanto pelo ativo ambiental envolvido no caso concreto, biomas especialmente protegidos, unidades de conservação e legislação específica estadual e municipal, a complementar ou suplementar o regramento federal, todos em sinergia ao fato de que a conversão para uso alternativo do solo, quando atendido tal arcabouço, é lícita e se constitui em um direito do proprietário do imóvel.
Informar dados de desmatamento sem diferenciar o legal do ilegal, é promover desinformação e perpetrar a injustiça.
A conclusão do que a legislação dispõe é clara: desmatamento ilegal não pode ser equiparado àquele promovido pelo administrado como conversão para uso alternativo do solo. Confundir ou agrupar estes, como se uma coisa só fossem, traz graves consequências. São inúmeros os exemplos do quão nefasta é tal situação, se uma comunidade necessita da construção de uma barragem para seu abastecimento, será necessária a conversão da vegetação nativa para tal obra; um proprietário que tenha seu imóvel, respeitados os percentuais de Áreas de Preservação Permanente – APP e Área Reserva Legal – ARL, tendo o remanescente provido de vegetação nativa, poderá ter fruição produtiva através da conversão para uso alternativo do solo, ressalvado, ainda, os incipientes e repletos de lacunas, principalmente mercadológicas, mercado de carbono e o Pagamento por Serviços Ambientais – PSA.
Portanto, não se pode admitir que os dados de “perda da cobertura vegetal” sejam propagados de maneira uniforme, sem a devida e necessária cautela, o que se traduz em importante frente de combate à desinformação, que por sua vez, tem levado a decisões políticas lastimáveis, como a paralisação na emissão de Autorizações de Supressão de Vegetação (ASV) pelos órgãos ambientais - na imensa maioria das vezes pautados única e exclusivamente pela preocupação dos gestores públicos com a repercussão midiática -, constituindo autêntica punição contra quem, simplesmente, percorreu o necessário e correto caminho para obtenção da declaração de um direito preexistente e claramente definido na legislação vigente.
E qual será o efeito? A clandestinidade.
Em um momento histórico onde a informação se propaga em velocidade alucinante é praticamente instantâneo que a sociedade absorva manchetes descalibradas da verdade, de maneira igualmente grave a outros tipos de notícias. Com isso, não há lógica em se empreender uma “seletividade de indignações” sobre as desinformações, divulgando-se dados de perda da cobertura vegetal, sem qualquer tipo de ressalva quanto a qual medida desta corresponde a conversão para uso alternativo do solo autorizada, como algo correto. Nem mesmo questionamentos quanto à robustez e correção do procedimento de autorização pelos órgãos competentes, autoriza incluir tais casos em “vala comum” com o desmatamento ilegal e clandestino.
Com certeza, o efeito mais grave de tal situação é o estímulo ao desmatamento ilegal. Se a via legalmente definida, devidamente percorrida, não resulta em sua consequência lógica, é inegável que o resultado será desmerecê-la, ao ponto de descartá-la. Com isso, é missão da imprensa, academia e das entidades, principalmente as de proteção das florestas e demais formas de vegetação, promover esta diferenciação, combatendo rótulos que atualmente povoam as manchetes dos noticiários e alimentam decisões gravíssimas com a aparência de conservacionista, mas, na realidade, com efeito oposto.
O maior inimigo do meio ambiente é a ignorância. Jamais o justo pode pagar pelo pecador.
[1] Art. 26. A supressão de vegetação nativa para uso alternativo do solo, tanto de domínio público como de domínio privado, dependerá do cadastramento do imóvel no CAR, de que trata o art. 29, e de prévia autorização do órgão estadual competente do Sisnama. § 1º (VETADO). § 2º (VETADO). § 3º No caso de reposição florestal, deverão ser priorizados projetos que contemplem a utilização de espécies nativas do mesmo bioma onde ocorreu a supressão. § 4º O requerimento de autorização de supressão de que trata o caput conterá, no mínimo, as seguintes informações: I - a localização do imóvel, das Áreas de Preservação Permanente, da Reserva Legal e das áreas de uso restrito, por coordenada geográfica, com pelo menos um ponto de amarração do perímetro do imóvel; II - a reposição ou compensação florestal, nos termos do § 4º do art. 33; III - a utilização efetiva e sustentável das áreas já convertidas; IV - o uso alternativo da área a ser desmatada.
Art. 27. Nas áreas passíveis de uso alternativo do solo, a supressão de vegetação que abrigue espécie da flora ou da fauna ameaçada de extinção, segundo lista oficial publicada pelos órgãos federal ou estadual ou municipal do Sisnama, ou espécies migratórias, dependerá da adoção de medidas compensatórias e mitigadoras que assegurem a conservação da espécie.
Art. 28. Não é permitida a conversão de vegetação nativa para uso alternativo do solo no imóvel rural que possuir área abandonada.