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A impossibilidade de demarcação administrativa de terra indígena antes da conclusão do julgamento do marco temporal pelo Supremo Tribunal Federal

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Como é de conhecimento, o Supremo Tribuna Federal (STF) retomou o julgamento de um dos processos mais relevantes e emblemáticos do país, o Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365/SC, que trata de demarcação de Terra Indígena à luz do art. 231 da Constituição Federal de 1988 (CF/88), bem como a aplicação (ou não) do tão debatido marco temporal.

O mencionado julgamento foi suspenso[1] novamente pelo pedido de vistas do Ministro André Mendonça, que prometeu proferir o seu voto, para que o julgamento seja retomado, antes da aposentadoria da Ministra Rosa Weber, que ocorrerá em outubro de 2023.

Para os que eventualmente não estejam familiarizados com o tema, o marco temporal é uma tese fixada pelo próprio STF no importante julgamento da Pet. 3.388/RR (Caso Raposa Serra do Sol), onde ficou definido que a data da promulgação da Constituição Federal de 1988 (05/10/1988) é o marco referencial para o reconhecimento aos aborígines sobre as terras que tradicionalmente ocupam.

Se os indígenas não estiverem ocupando as terras a partir de 05/10/1988 está descaracterizada a tradicionalidade, não reconhecendo o direito a demarcação, salvo se ficar devidamente comprovado que eles foram dali expulsos, existindo um efetivo conflito possessório iniciado no passado e persistente até o marco constitucional (o que se denomina renitente esbulho).

O quanto delineado acima é o que fora julgado, definitivamente, pela Suprema Corte até então, cujo julgamento dos embargos de declaração ocorrera em 10/09/2018 com o seu respectivo trânsito em julgado[2].

Calha ressaltar que a Pet. 3.388/RR também estabeleceu em seu bojo 19 (dezenove) condicionantes (ou condições) que norteiam as demarcações de terras indígena do país dentre as quais se destaca a de número 17 (dezessete) que assim dispõe – “(XVIII) é vedada a ampliação da terra indígena já demarcada.” Tudo à luz do quanto disposto no art. 231 da CF/88.  

O aludido julgamento (Pet. 3.388/RR) não possui efeito vinculante, não se aplicando automaticamente a outros processos que discutam matéria similar, todavia, nos termos do quanto decidido, “o acórdão ostenta a força moral e persuasiva de uma decisão da mais alta Corte do País, do que decorre um elevado ônus argumentativo nos casos em se cogite da superação de suas razões”.[3]

Assim, dentro do até aqui exposto, sobre demarcação de terras indígenas, temos: (i) o julgado do STF até então vigente sobre demarcação de terra indígena, à luz do art. 231 da CF/88, é o da Pet. 3388/RR, que ostenta força moral e persuasiva da Suprema Corte; (ii) fica estabelecido o marco temporal para demarcação de terra indígena; (iii) é vedada a ampliação da terra indígena já demarcada; (iv) a nova discussão sobre o tema (RE 1.017.365/SC – Tema 1031) está pendente de julgamento.

 

A suspensão dos processos judiciais que tratem sobre demarcação de terra indígena

O Supremo Tribunal Federal voltou a rediscutir o tema do marco temporal e demarcação de terra indígena através do reconhecimento da repercussão geral no Recurso Extraordinário nº 1.017.365/SC, que se refere a uma ação de reintegração de posse ajuizada pela Fundação de Amparo Tecnológico ao Meio Ambiente – FATMA, em área administrativamente declarada como de tradicional ocupação dos índios Xokleng, localizada em parte da Reserva Biológica do Sassafrás, Estado de Santa Catarina.[4]

A corte, então, apresenta o Tema 1031 que vai tratar da “definição do estatuto jurídico-constitucional das relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena à luz das regras dispostas no artigo 231 do texto constitucional”.

Nesse contexto, o STF, a partir desse julgamento, definirá, à luz do art. 231 da CF/88, como se dará a demarcação de terra indígena no país, dentro do conceito de tradicionalidade ou terra tradicionalmente ocupada; se haverá a aplicação do marco temporal, por ele anteriormente estabelecido, ou não; dentre outras condições relacionadas a demarcação.

Tamanha é a relevância do tema e a capacidade de afetar diretamente toda e qualquer demarcação de terra indígena no país que o relator, Min. Edson Fachin, por cautela, considerando o reconhecimento da repercussão geral e seguindo o disposto no artigo 1.035, § 5º do Código de Processo Civil (CPC)[5] determinou:

[...] com base no artigo 1.035, § 5º, do Código de Processo Civil, determino, nos termos do pedido, a suspensão nacional dos processos judiciais, notadamente ações possessórias, anulatórias de processos administrativos de demarcação, bem como os recursos vinculados a essas ações, sem prejuízo dos direitos territoriais dos povos indígenas, modulando o termo final dessa determinação até a ocorrência do término da pandemia da COVID-19 ou do julgamento final da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário 1.017.365      (Tema 1031), o   que ocorrer por último, salvo ulterior decisão em sentido diverso. a suspensão.[6] (grifos adunados)

Desde estão os processos judiciais que versem sobre demarcação de terras indígenas estão suspensos.

 

A suspensão dos processos administrativos de demarcação de terra indígena

A força persuasiva da decisão proferida pela Suprema Corte sobre as demarcações de terra indígena no julgado da Pet. 3.388/RR fez com que a Advocacia Geral da União (AGU) editasse o parecer nº 001/2017/GAB/CGU/AGU[7] referendando o entendimento do STF e suas condicionantes, dentre elas a já mencionada vedação a ampliação de terra indígena já demarcada e o marco temporal. Com isso, a aplicação do parecer seria obrigatória, vinculando toda a Administração Pública Federal, direta e indireta, inclusive a FUNAI.

Nesse contexto e diante da relevância do julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.017.365/SC (Tema 1031), que tem o condão de, como dito, definir as diretrizes de demarcação de terra indígena no país, o Ministro relator do aludido processo  determinou: (i) a suspensão dos efeitos do parecer n.º 001/2017/GAB/CGU/AGU; (ii) que a FUNAI se abstivesse de rever todo e qualquer procedimento administrativo de demarcação de terra indígena, com base no parecer, até o julgamento do Recurso Extraordinário mencionado:

Diante de todas as considerações acima expostas, concedo a tutela provisória incidental requerida, nos termos do pedido, a fim de suspender todos os efeitos do Parecer n.º 001/2017/GAB/CGU/AGU até o final julgamento de mérito do RE 1.017.365 (Tema 1031) já submetido à sistemática da repercussão geral pelo STF.

De consequência, determino à FUNAI que se abstenha de rever todo e qualquer procedimento administrativo de demarcação de terra indígena, com base no Parecer n.º 001/2017/GAB/CGU/AGU até que seja julgado o Tema 1031.[8] (grifos adunados)

Ou seja, o STF determinou expressamente que a FUNAI suspenda a revisão de todos os processos administrativos de demarcação de terra indígena, que tenha por objeto a aplicação do parecer da AGU, até que seja julgado o Recurso Extraordinário nº 1.017.365/SC (Tema 1031).

 

Votos dos ministros e sua capacidade de influenciar o processo de demarcação de terra indígena 
Outro ponto que merece destaque são os votos até então proferidos pelos Ministros do STF no Recurso Extraordinário em comento. Os Ministros que já votaram foram Edson Fachin, Nunes Marque e Alexandre de Moraes, respectivamente.

Extrai-se dos votos, claramente, que a decisão final terá o condão de determinar as diretrizes de como deve ocorrer a demarcação de terra indígena, afetando, por conseguinte, todos os processos administrativos de demarcação.

A título de exemplo, dos votos proferidos pelos Ministros (que já se pronunciaram) importante destacar[9]:

  1. A aplicação (ou não) do Marco Temporal - onde é considerada Terra Indígena somete aquela tradicionalmente ocupada na data da promulgação da Constituição federal de 1988, salvo o esbulho renitente.
  2. Vedada (ou não) a ampliação de Terra Indígena – terra indígena já demarcada não pode ser ampliada.
  3. Indenização prévia ao possuidor/proprietário de boa-fé – o proprietário ou possuidor de boa-fé terá direito a prévia indenização em face da União, em dinheiro ou em títulos da dívida agrária, caso haja demarcação.
  4. Compensação às comunidades indígenas – se a demarcação for contrária ao interesse público a desconstituição da situação consolidada e buscando a paz social, a União poderá realizar a compensação às comunidades indígenas, concedendo-lhes terras equivalentes às tradicionalmente ocupadas, desde que haja expressa concordância. 

É indiscutível pois que os votos até então proferidos, que prevalecerem na conclusão do julgamento, terão o condão de interferir nos processos administrativos de demarcação, direcionando o que eles devem, obrigatoriamente, observar, respeitar e seguir. Tudo a ser definido no final do julgamento do RE nº 1.017.365/SC (Tema 1031) pela Suprema Corte.

 

Impossibilidade da FUNAI demarcar administrativamente terras indígenas antes do julgamento do STF    

Diante do quanto até aqui exposto é inegável que o julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.017.365/SC (Tema 1031) definirá as balizas, as condicionantes, as diretrizes de como deverá ocorrer a demarcação de terras indígenas no país.

Os votos já proferidos no mencionado recurso repercutirão diretamente no direito das partes envolvidas nos processos de demarcação e só serão definidos quando da conclusão do julgamento. A exemplo do direito de prévia indenização dos proprietários ou possuidores de boa-fé.

Dadas essas circunstâncias e sabedor do reflexo do julgamento nas demarcações das terras indígenas o Ministro relator atuou com cautela suspendendo tanto os processos judiciais quanto os administrativos. Essa imperiosa necessidade de suspensão em ambas as esferas fica ainda mais evidente a partir dos votos até então proferidos.

Assim, a FUNAI não pode dar prosseguimento aos processos administrativos de demarcação de terra indígena em curso e eles não podem ser concluídos sob pena de: (i) descumprimento de decisão judicial; (ii) violação ao direito das partes envolvidas, dentro do que ficar definido pelo STF no Tema 1031; (iii) insegurança jurídica; (iv) violação aos princípios insculpidos na Constituição Federal, não se limitando, mas sobretudo, a ampla defesa, contraditório, devido processo legal, paridade de armas, dentre outros; (v) anulação dos processos administrativos que forem concluídos antes da finalização do julgamento pelo STF no Tema 1031 e de forma contrária ao quanto nele definido.

 

[5] Art. 1.035 ...

§ 5º Reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional.

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