A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) - entidade reconhecida por desenvolver e disseminar normas técnicas e contribuir para a padronização de processos, produtos e serviços no Brasil – lançou recentemente a Prática Recomendada ABNT PR 2060, elaborada pelo Comitê Brasileiro de Gestão Ambiental do ABNT/CB-038, com o objetivo de especificar os requisitos a serem cumpridos por qualquer entidade que busque demonstrar neutralidade de carbono por meio da quantificação, redução e compensação das emissões de gases de efeito estufa (GEE) de um objeto exclusivamente identificado.
No contexto atual de crescente alinhamento dos esforços para mitigação das mudanças climáticas, a mais recente contribuição da entidade para a agenda ambiental fornece uma estrutura consistente e confiável para que governos, comunidades, empresas ou organizações da sociedade civil, possam adotar medidas concretas para reduzir sua pegada de carbono.
Anunciada durante a 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – COP27, no Egito, e oficialmente publicada no Brasil em julho de 2023, em parceria com a Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema), a ABNT PR 2060 estabelece requisitos abrangentes para a demonstração de neutralidade de carbono. Entre seus principais aspectos, estão a quantificação precisa das emissões de GEE, a implementação de medidas para a redução dessas emissões e a compensação das emissões remanescentes através de práticas como reflorestamento, projetos de energia renovável, entre outras estratégias de mitigação.
A iniciativa busca abranger todas as etapas do processo, desde a identificação do objeto exclusivo até a certificação da neutralidade de carbono, de modo a estimular, em um primeiro estágio, uma redução das emissões internamente, para apenas depois buscar alternativas que abatam essas emissões, seja via compra de créditos de carbono ou outros instrumentos sinérgicos às Soluções Baseadas na Natureza (SBN).
Ademais, insta salientar que a ABNT PR 2060 foi desenvolvida com base em princípios e referências sólidas, sobretudo através da adaptação de conceitos do Organismo Nacional de Normalização Britânico (BSI), alinhados às normas internacionais específicas (ISO)1 relacionadas ao tema de redução de emissões dos gases de efeito estufa, de modo a demonstrar o compromisso da ABNT em alinhar as diretrizes nacionais com padrões internacionais reconhecidos que reforçam a sua credibilidade.
Outro ponto que merece destaque, diz respeito ao pioneirismo da ABNT com o desenvolvimento de normas para essa finalidade, criando o ABNT PAC - Plano de Ação Climática, dividido em níveis de impacto para a normalização:
- Nível 1: Gestão de emissões de carbono e CCUS (Carbon Capture, Utilization, and Storage)
- Nível 2: Substituição de emissões e combustíveis fósseis por fontes renováveis
- Nível 3: Processos de conservação de energia e eficiência energética
- Nível 4: Adaptações aos eventos climáticos
Os cinco principais objetivos em todos os níveis são: redução das emissões de GEE, remoção de CO2, substituição de fontes poluentes, eficiência energética e adaptação das tecnologias existentes; com fulcro no Guide 84 da ISO, que aborda o regramento para lidar com as mudanças climáticas na fixação de normas.
Vale ressaltar, entretanto, que a padronização ABNT não tem caráter legalmente vinculante, ou seja, não há que se falar em sanções por inconformidade ou não execução de todas as práticas propostas na norma, o que não exclui o seu viés positivo em inaugurar a definição de diretrizes para a demonstração da neutralidade de carbono de maneira padronizada e transparente, permitindo que os atores possam comunicar seus esforços de forma confiável e verificável.
Além dos benefícios associados ao incremento reputacional, incluindo orientações sobre como as declarações sobre conformidade devem ser feitas, consoante metodologia para quantificar e compensar a emissão de carbono, a norma também representa certa mitigação do greenwashing ao estabelecer declarações precisas e verificáveis de neutralidade de carbono, e deve servir como instrumento de plano de ação eficiente para fomentar o Plano Nacional de Mudança Climática, ou Plano Clima, que está sendo desenvolvido pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima com vigência de 2024 a 2035 e visa alcançar a neutralidade climática em 2050, bem como servir como base para cumprimento dos requisitos do Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM), mecanismo de taxação de carbono aduaneiro para produtos exportados para a União Europeia (UE).
Em sua essência, a Prática Recomendada ABNT PR 2060 representa um avanço significativo na definição de um padrão de responsabilidade ambiental associado à redução das emissões de GEE. Ao oferecer diretrizes claras e objetivas para a neutralidade de carbono, a ABNT reforça seu compromisso em contribuir para a mitigação das mudanças climáticas e fornece os instrumentos necessários para que empresas, governos ou outras instituições possam desempenhar um papel ativo na construção de um futuro mais sustentável e ecologicamente responsável, em sinergia ao padrão mercadológico de transição para uma economia de baixo carbono.
Autoria: José Bruno Brito
____
1 Organização Internacional de Padronização, na sigla em inglês